Lá vai o retirante,
expulso do sertão
pela seca
do Nordeste do Brasil.
Lá vai o retirante,
deixando a terra natal
que aprendeu a amar,
e seu pedaço de terra,
que apoiou seus joelhos
nos momentos de súplicas
por dias de chuva.
A terra que tanto arou,
que tantas sementes fecundou,
d’onde tanto verde já brotou,
d’onde muito o pão já tirou.
Quanto tempo faz...
Lá vai o retirante,
deixando a terra onde cresceu,
que fica sob o firmamento
que acostumou-se a contemplar.
Vai lembrando saudoso
bons momentos vividos
na terra que agora deixa.
Lá vai o retirante,
deixando o torrão torrado,
galhos sem folhas,
sem pássaros...
Acabada a comida,
acabado o dinheiro,
acabado o fiado,
sem serviço...
Lá vai o retirante...
Vendidas as tralhas,
vendidos os bichos,
sem comida também.
Após o pau de arara,
até a beira da estrada,
por onde agora caminha,
enquanto não vem uma carona.
“Quem sabe no posto de gasolina ?“
Vai até a cidadezinha
onde vai comprar passagem
para alguma capital,
São Paulo ou Rio,
onde será operário,
faxineiro, camelô,
qualquer trabalhador,
honesto e decente
e com força
haverá de vencer...
Lá vai o retirante,
no dia que nunca quis,
que sempre adiou,
pela esperança renovada
de a chuva vir pra ficar,
de o açude não secar...
Lá vai o retirante,
já descrente das promessas
dos homens engravatados,
que sabem falar bonito:
açudes quilométricos;
centenas de poços artesianos;
milhões de carros pipas;
canalizar água do mar...
Lá vai o retirante,
o semblante duro,
da força da decisão.
Semblante que oculta o sentimento
do coração partido
por deixar pra trás uma vida,
sonhos de alegrias,
de alguma angústia;
pela incerteza do futuro.
A camisa de manga comprida,
quadriculada, do São João;
a calça um tanto curta,
mostrando os pés sem meias;
sapatos de grossos saltos,
a mala de couro surrada.
Lá vai o retirante
levando sua mulher,
semblante passivo da resignação;
de quem aceita o que vem da vida.
Companheira de luta,
fiel na alegria e na dor.
O vestido de chita desbotando
sobre a barriga proeminente.
Parece vir mais um no ventre...
Lá vai o retirante
levando seus filhos,
pedacinhos de borracha
sob os pés foveiros;
as roupinhas puídas...
Ainda conseguem brincar;
divertem-se com a novidade
da viagem ao desconhecido.
A alegria que vem da inocência,
que vem da ingenuidade.
Lá vai o retirante,
vencido pelo sol agreste;
jogando-se ao mundão
de concreto, de metal e vidro,
aventurando a sorte
de poder vingar-se
da sina adversa.
Lá vai o retirante...
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